Terapia para homens: falar de si e se despir de defesas

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O encontro consigo mesmo talvez seja o mais temido dos encontros. O medo de aproximar-se de si, de encarar frente a frente sombras e sóis, está presente em nós, seres humanos. O encontro consigo mesmo é um convite para transpor barreiras, se despir de defesas e de máscaras e de mergulhar no que se é. O chamado é para um movimento subjetivo, que inclui olhar para si, se permitir ouvir, falar e sentir. No entanto, no caso dos homens, o encontro consigo mesmo tende a ser ainda mais temido, justamente porque implica em se abrir, se desfazer de amarras, de um padrão e de uma lógica pragmática e de produtividade, que nos foi ensinada. Então, diante dessa questão que impede, muitas vezes, os homens de uma experiência de contato mais profunda com seus sentimentos, angústias e sofrimentos, para tentar compreendê-los e, assim, também compreender os outros, te convido para leitura deste artigo. Vamos lá?

O consultório como ponto de partida 

Para começar nossa conversa por aqui, escolho o consultório como ponto de partida. Isso porque é a partir das experiências cotidianas – e ao longo de muitos anos – com meus clientes que vou percebendo a necessidade cada vez maior de falar e de refletir sobre o lugar e a forma da psicoterapia na vida dos homens. Nós não fomos criados para falar sobre nós de maneira reflexiva, com um olhar para dentro, para nossos sentimentos e emoções. 

Por isso, muitas vezes, a psicoterapia, num primeiro momento, pode ser vista como temerosa, justamente, porque ela é, como falei na abertura deste artigo, um convite para o mergulho em si, em nossa intimidade. Enquanto homens, filhos de uma sociedade estruturada em pilares como machismo e patriarcado, qualquer movimento que se assemelhe a uma sensibilidade, a uma emoção, é visto como um não lugar de homens, como era a cozinha, antes, um cômodo da casa reservado às mulheres. Hoje não mais. Nem a cozinha, nem as emoções estão reservadas somente a um gênero. Essa abertura faz parte da desconstrução da masculinidade patriarcal.

No entanto, todo mundo precisa se alimentar, não é mesmo? Enquanto pessoas, nós também sentimos, sofremos e temos nossas dúvidas, nossas aflições, desejos e angústias. As emoções são inerentes aos seres humanos e viver uma vida sem ao menos tentar compreendê-las pode ser uma eterna torneira pingando. Um incessante mal-estar que pode nos deixar alienados de nós mesmos e dos outros, das pessoas e das relações.

Para pensarmos, juntos, em como a prática da psicoterapia, do falar, do se ouvir, do se desfazer de defesas e de máscaras pode colaborar para uma melhor autopercepção e para uma melhor convivência com o mundo, que te convido a seguir com a leitura. 

O utilitarismo e a lógica da produtividade 

Um outro fator interessante que se apresenta quando falamos de psicoterapia é o utilitarismo, uma maneira de validar algo pelo seu êxito prático. Mas falar sobre mim, resolve? Falar sobre meus sentimentos vai resolver meu problema? Em um mundo pautado pela produtividade, é preciso pontuar que a psicoterapia escapa dessa lógica do produzir e do consumir. Sua prática não caminha para um fim, ela é o fim em si. Ou, em outras palavras, o processo de psicoterapia tem sua finalidade no seu percurso. Como diriam os Titãs, “é caminhando que se faz o caminho”. 

Em geral, os homens têm essa necessidade de saber do resultado, de querer saber da solução, antes mesmo de saber do problema, de identificar onde dói. Há um certo ceticismo e uma competitividade da razão, que tendem a colocar a psicoterapia contra a parede. Mas, vejam só, a psicoterapia não quer ter razão. O que ela quer é ajudar as pessoas em seus processos de ganho de autonomia, de autopercepção, de elaboração de seus sentimentos, de compreensão e construção de uma narrativa de si, para uma experiência de convivência de mais prazer em si e com os outros.    

A psicoterapia vai mudar quem eu sou?

Chegamos a uma pergunta recorrente quando se trata de psicoterapia: fazer terapia vai mudar quem eu sou? Para responder esta questão, recorro a Carl Rogers, psicólogo estadunidense, que em seu livro, Tornar-se pessoa, diz o seguinte:

 “Para alguns, ser o que se é é permanecer estático. Eles veem um tal objectivo ou valor como sinónimo de estar fixo ou imutável. Nada pode estar mais longe da verdade. Ser o que se é é mergulhar inteiramente num processo.”

Sendo assim, vale destacar que a identidade é uma construção e, em momento nenhum, durante a psicoterapia, se nega a identidade já construída pelo cliente. No entanto, por meio do processo de autoanálise, de desenvolvimento de autopercepção, é possível identificar comportamentos, crenças e atitudes que podem, sempre por iniciativa do próprio cliente, serem alterados, ajustados, com o desejo de caminhar para uma realidade mais fluida, na qual a pessoa passa a ser mais autônoma e apropriada de si. 

Neste sentido, vale destacar que, mesmo desconstruindo a identidade da masculinidade frágil, por exemplo, não vamos apagar uma identidade. Pelo contrário, vamos trazê-la à superfície para que a partir dessa consciência de si, o homem possa desenvolver uma ação mais responsável e vigorosa na superação de seus obstáculos. 

Como um exemplo, podemos citar as árvores. Elas vivem seus ciclos, com folhas, sem folhas, com flores, sem flores, com frutos, sem frutos. Seja no inverno, no verão, na primavera, na época da colheita ou da brotação, uma amoreira sempre será uma amoreira. 

Então, no movimento de mudança, de processo, se reconhece cada vez mais quem se é. Uma  vida interior se torna consciente e isso aproxima o sujeito de quem ele é e dos outros. O faz enxergar o mundo também sem amarras, sem defesas. Há um reconhecimento mútuo.  

Para finalizar este artigo, mas não encerrar nossa reflexão sobre a psicoterapia para homens, gostaria de deixar uma fala do psicólogo Alexandre Coimbra, em participação no programa Altas Horas, em julho deste ano:

“A gente tem que trocar a violência pela palavra. Trocar a força bruta pela sensibilidade, pelo direito de sermos sensíveis. Pela possibilidade de podermos chorar, pela possibilidade de termos medo, sem achar que isso vai nos diminuir. É um processo de educação que todos nós, homens, meninos, deveríamos ter. Acreditar que é possível resolver nossos problemas a partir das palavras e do olhar sensível para o outro.”

Espero que tenha gostado das reflexões que compartilhei aqui e, caso queira conversar mais sobre o assunto, estou à disposição. 

Até o próximo! 

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