Aconselhamento Psicológico por Inteligência Artificial: Reflexões Éticas e Riscos Potenciais

aconselhamento-psicologico-por-inteligencia-artificial-reflexoes-eticas-e-riscos-potenciais-capa

Este artigo surgiu como resposta a um amigo que gosta de me mandar várias notícias sobre como as pessoas têm buscado a IA como forma de suporte emocional e, também, a partir de reflexões sobre relatos de pacientes que relataram ter usado a IA como uma forma de oráculo para tentar responder a questões existenciais presentes em suas vidas.

Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem sido incorporada em diversas áreas, incluindo a saúde mental. Embora a tecnologia possa oferecer recursos inovadores para o desenvolvimento de novas tecnologias para contextos empresariais e para pesquisas de diversas áreas, é fundamental refletir sobre os limites éticos e profissionais do seu uso, especialmente no aconselhamento psicológico.

O Estudo do MIT e o Uso Emocional de Chatbots

Um estudo recente do MIT Media Lab analisou os efeitos psicossociais do uso de chatbots em interações prolongadas. Os resultados sugerem que, embora alguns usuários relatem benefícios subjetivos como redução do estresse ou sensação de companhia, esses efeitos dependem fortemente da forma como a pessoa se engaja com o chatbot. Quando há uma tendência a antropomorfizar a IA — ou seja, tratá-la como se tivesse intenções humanas — os riscos aumentam, incluindo a formação de expectativas irreais sobre o que a tecnologia pode oferecer. Isso reforça a necessidade de compreendermos não apenas o que a IA faz, mas como os usuários projetam nela suas carências emocionais e desejos de conexão.

O estudo alerta que o uso emocional da IA, em vez de ser neutro, pode moldar significativamente a experiência subjetiva do usuário, com implicações tanto positivas quanto negativas. Essa constatação exige um olhar crítico sobre o lugar que os chatbots estão ocupando na vida de pessoas em sofrimento emocional.

A Importância do Vínculo Humano na Psicologia

O processo terapêutico é construído a partir da relação entre o profissional e o cliente. Essa interação permite a compreensão profunda das experiências, emoções e contextos individuais. A IA, por mais avançada que seja, não possui consciência, empatia genuína ou a capacidade de estabelecer vínculos afetivos reais. Substituir o contato humano por interações com algoritmos compromete a qualidade do suporte por não conter aquilo que é mais essencial em nosso desenvolvimento: o vínculo com outros seres humanos.

O estudo do MIT mostra que, mesmo quando usuários sentem-se “ouvidos” por um chatbot, esse sentimento pode estar mais relacionado à projeção do que à realidade da interação. O risco é que, ao se engajar com um sistema que simula compreensão, a pessoa retarde a busca por ajuda profissional ou confunda respostas automatizadas com acolhimento real. 

Responsabilidade Ética e Profissional

Psicólogos são regidos por códigos de ética e supervisionados por conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Essas diretrizes garantem a qualidade e a segurança dos atendimentos. A IA, por outro lado, não está sujeita a essas regulamentações, o que levanta preocupações sobre a responsabilidade em casos de orientações inadequadas ou prejudiciais.

Privacidade e Confidencialidade dos Dados

O sigilo é um pilar fundamental na prática psicológica. Ao utilizar plataformas de IA, há riscos relacionados à coleta, armazenamento e uso indevido de informações pessoais e sensíveis. Sem regulamentações claras, os dados dos usuários podem ser expostos ou utilizados de maneira inadequada, comprometendo a confidencialidade.

Para Quem Busca Ajuda: Quais São os Riscos Reais?

Muitas pessoas recorrem à IA em momentos de sofrimento emocional, solidão ou crise, na esperança de encontrar consolo ou orientação. No entanto, esse tipo de “aconselhamento” pode oferecer respostas genéricas, sem contexto clínico, e reforçar padrões de pensamento disfuncionais. Além disso, a falsa sensação de estar sendo compreendido pode retardar ou até impedir a busca por um profissional de verdade. O risco não está apenas na resposta inadequada, mas no afastamento progressivo do cuidado humano e ético.

O estudo do MIT também destaca que o impacto de longo prazo do uso frequente de chatbots para suporte emocional ainda é incerto. O que hoje parece aliviar, amanhã pode alienar. A dependência de respostas automatizadas pode contribuir para uma redução da capacidade de autorreflexão profunda e para o empobrecimento dos vínculos interpessoais reais.

A complexidade da experiência humana não pode ser reduzida a códigos ou algoritmos. A IA, por mais sofisticada que seja, opera dentro dos limites do que foi programada para fazer. Ela não vive, não sente, não sofre — apenas executa comandos baseados em padrões. Por isso, é incapaz de compreender os dilemas profundos que envolvem escolhas morais, crises existenciais e os paradoxos da vida. Apenas um ser humano, com sua bagagem de vivências, sensibilidade e consciência, é capaz de acolher a infinidade de possibilidades que constituem a existência humana. Confiar a uma máquina decisões que exigem escuta profunda, reflexão ética e presença real é não reconhecer o valor inestimável da condição humana no processo de cuidado.

A Comunicação Não Verbal: Um Elemento Essencial na Psicoterapia

A comunicação não verbal é um componente crucial na prática psicoterapêutica. Expressões faciais, postura corporal, movimentos oculares e padrões respiratórios fornecem ao terapeuta informações valiosas sobre o estado emocional do paciente. Esses sinais sutis, muitas vezes inconscientes, ajudam a construir uma compreensão mais profunda das experiências e sentimentos do indivíduo. A IA, limitada à análise de texto ou voz, não possui a capacidade de captar essas nuances, o que compromete a eficácia do atendimento terapêutico. A ausência dessa percepção pode resultar em interpretações superficiais, deixando de lado aspectos fundamentais do processo terapêutico.

A Necessidade de Regulamentação Específica

Diante dos avanços tecnológicos, é imprescindível que haja regulamentações específicas que orientem o uso da IA na saúde mental. Essas normas devem assegurar que qualquer ferramenta tecnológica utilizada respeite os princípios éticos da psicologia e não substitua o atendimento realizado por profissionais qualificados.

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) expressou recentemente sua posição sobre o uso da inteligência artificial no contexto do aconselhamento psicológico. Em publicação oficial, o CRP-SP enfatizou a importância de que a aplicação de tecnologias de IA na Psicologia seja pautada por critérios éticos, técnicos e científicos. O Conselho reafirmou seu compromisso com a dignidade humana e a escuta qualificada, destacando que a prática psicológica deve sempre priorizar o bem-estar e os direitos dos indivíduos atendidos.

O CRP-SP alertou para os riscos de se substituir o contato humano por interações com algoritmos, ressaltando que a IA, por mais avançada que seja, não possui consciência, empatia genuína ou a capacidade de estabelecer vínculos afetivos reais. Dessa forma, o Conselho reforça que o uso de IA na Psicologia deve ser cuidadosamente avaliado, garantindo que não comprometa a qualidade e a ética do atendimento psicológico.

Conclusão

A Inteligência Artificial tem um papel relevante no avanço de diversas áreas, especialmente naquelas que dependem da automação, do processamento de grandes volumes de dados ou da precisão tecnológica. Seu uso deve ser incentivado nesses contextos, onde de fato pode gerar inovação e eficiência.

No entanto, quando se trata de psicoterapia, é necessário reconhecer que as tecnologias que realmente contribuem para o cuidado são aquelas que fortalecem a escuta, o vínculo e as múltiplas formas de intervenção clínica que o psicólogo desenvolve com base em sua formação, responsabilidade ética e sensibilidade profissional. A prática terapêutica não pode ser automatizada sem comprometer sua essência.

Ao contrário da IA, o psicólogo é capaz de compreender as nuances da subjetividade humana e oferecer um cuidado que leva em conta a complexidade das experiências, dos contextos e dos dilemas individuais. Por isso, a atuação clínica deve permanecer como uma atividade conduzida por pessoas, com o suporte de tecnologias quando apropriado — mas sem que isso signifique substituir a relação terapêutica.

referência: https://www-media-mit-edu.translate.goog/publications/how-ai-and-human-behaviors-shape-psychosocial-effects-of-chatbot-use-a-longitudinal-controlled-study/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc 
https://www.instagram.com/p/DKFt44YRSvk/?igsh=ejRubmoxMWZocnNy 

Comentários: Seja o primeiro a comentar!

Participe: deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.